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ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR / 2019 / BRASIL / DOCUMENTÁRIO / 86' / MARCELO

  • Writer: carmem cortez
    carmem cortez
  • Oct 26, 2019
  • 5 min read

Parte do outdoor, ou de um dos gigantescos TOTENS publicitários propagando o jeans que é feito em Toritama, Agreste de Pernambuco

Resolvi escrever sobre esse filme nos moldes como ele é narrado. Esse documentario vai fazendo uma 'contação' de uma história como se fosse uma ligação de ponto a ponto - quase como se faz com a leitura de um livro.

As cenas parecem parágrafos tais como encontramos na literatura. Ele vai pontuando os momentos. Quando o narrador chega a cidade, é um paragrafo. Daí vem outro trecho-parágrafo, e aí ele apresenta a cidade ao espectador.

TORITAMA é o nome desse vilarejo no agreste de Pernambuco, e o narrador vai traçando uma rota pelas histórias, pelas etapas que compõe o que caracteriza esse local como "A CAPITAL DO JEANS". A capital do jeans é o personagem central, e os depoentes são os elementos que auxiliam na apresentação ao espectador quem é esse "SER" intitulado capital do jeans.

Trata-se também, e não menos importante de uma espécie de diário de memórias do contador, embora isso fique somente no inicio da narrativa. Marcelo Gomes, seu diretor, retorna ao lugar onde cresceu e cruzou fronteiras - mais tarde, assim como o jeans que lá é fabricado. Ou seja ambos ganharam o mundo.

Resguardando as devidas proporções comparativas, "ESTOU ME GUARDANDO..." se assemelha em parte a um outro documentário, este de um chines chamado WANG BING, "DINHEIRO AMARGO" de 2016, ("BITTER MONEY", no original "KU QUIAN"), sobre habitantes de uma cidade do interior da China, que assim como aqui no agreste, também lá os trabalhadores utilizam mais que doze horas do seu tempo para a produção em massa na manufatura de roupas.

Os habitantes de TORITAMA, todos sem exceção, são felizes e justificam essa felicidade explicando que trabalham no tempo deles - eles não tem empregador, portanto não há 'obrigações'. Ninguém presta conta à ninguem...são livres!!!

Eles fazem quantos intervalos acharem necessário, e aquela lógica de que 'ganho de acordo com o que produzo' , lhes é satisfatório.

Dentro das relações capitalistas PRODUÇÃO x LUCRO, o senhor do meu negócio sou eu mesmo. Mas lucro pra quem? Ao longo do filme, os entrevistados orgulham-se em dizer que são donos do próprio negócio. A fábrica onde trabalhavam faliu, e cada um deu seu jeito.

Ferias, só no final do ano e quando O CARNAVAL CHEGAR. Na época da 'festa da carne", vendem o que tem, geladeira, televisão, para ter dinheiro para sua diversão. E a diversão é ir pra praia. Vão para o litoral, geralmente para cidade de Maragogi, que fica em torno de 3 horas e pouco de TORITAMA. O narrador pergunta porque saem da cidade, e a resposta é que vão pra praia pra "beber, comer e se divertir".

Essa resenha vai ser contada a partir de então, quase como um storyboard, um recorte, que é pra destacar o curioso DISCURSO MANIFESTO do DISCURSO LATENTE com o qual o filme trabalha, subjetivado nas entrevistas, nas imagens que narram essa faceta do 'self-made-man'.

As contradições explícitas que o documentário registra entre o 'SER LIVRE', mas ser ao mesmo tempo 'ESCRAVO' dos meios de produção, é a chave para perceber que se há uma felicidade no mundo de TORITAMA, é a de 'fugir' das 18/20 horas de labuta, de sol a sol, dia após dia, e viver a alegria de "BEBER", "VER O MAR", e escutar o som de algum batuque ou barulho que se associe à alguma coisa que se chame "CARNAVAL". Estão trabalhando para quando o carnaval chegar.

"ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR", recebeu menção honrosa do Juri Oficial da ABD-SP, prêmio da crítica, e menção honrosa de Juri Oficial do FESTIVAL É TUDO VERDADE (Festival Internacional de Cinema Documentário) - edição 2019, e estreou no FESTIVAL de BERLIM 2019 (Panorama Dokumenta).

O filme começa com a tela preta e uma narração em off que diz mais ou menos assim:

"Cachoeirinha, Caetés, Caruaru,..., Taquaritinga, Toritama. Essas cidades ficam no agreste, numa região seca e pobre de Pernambuco".

...ele continua...

"Esse é o agreste que eu guardo na minha memória de infância. Um agreste onde meu pai era funcionário do Governo e fazia inspeção fiscal nessa região.

Era criança e o acompanhava nessas viagens."

...e prossegue...

"Era um mundo rural de feiras livres, plantadores de milho e feijão, e criadores de bode. Quase nenhum barulho de carro, e poucas pessoas na rua"

Surgem as primeiras imagens e com elas a narração ganha outros contornos...

"Na estrada que liga as duas maiores cidades do agreste, Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe, gigantescos TOTENS publicitários me levam à Toritama"

...a história agora fica por conta de quem la vive...

"Isso aqui é conhecido como OURO. O OURO de TORITAMA. O OURO AZUL"

"_ Voces dão conta do serviço? Eles dão conta do trabalho?, pergunta o diretor.

"_ Eles são pequenos assim no tamanho, na feiúra, mas no profissional...eles são tudo profissional"

"Se não der coragem eu não levanto não. Mas, rapaz, pegaram eu dormindo...pegaram eu no pulo do gato...dormindo". Esse é Leo, que é flagrado dormindo durante as filmagens.

"Qual é a melhor profissão do mundo?" (não tem) "É não trabalhar pra ninguém. Trabalhe só"

...a produção...

"_ Aqui voce trabalha com produção, né? Explica como é isso".

"_ Se voce trabalha com 100 boca de bolso, é R$0,10 centavos; voce ganhou R$10,00 Reais ... A vida da gente não é ruim, não. Quem pensar que a vida da gente é ruim, tá enganado..."

" ...dinheiro é a perdição do mundo - todo mundo sabe disso. Se não fosse o dinheiro, não existia maldade no mundo" (sic) "Então a maldade vem através do dinheiro"

...a maioria das músicas que a população escuta, é o funk. Acima um screenshot de uma cena onde um trabalhador acompanha a letra de uma musica do Racionais MC, "Vida Loka"

trecho:

"...Fé em Deus que ELE é justo

Ei, irmão nunca se esqueça

Na guarda, guerreiro, levanta a cabeça, 'truta'

Onde estiver seja lá como for

Tenha fé, porque até no lixão nasce flor

...

Porque a confiança é uma mulher ingrata

Que te beija e te abraça, te rouba e te mata..."

...antes de partirem pra praia, vendem o que tiverem pra poder viajar. Quando voltam, tentam comprar de volta o que foi vendido...

O filme encerra com a música do Chico Buarque e é com ela que encerro também minha resenha. Não poderia ter desfecho mais apropriado para essa história. É o título da canção, aliás, que dá título ao filme

...

"Quem me vê sempre parado distante

garante que eu não sei sambar

tô me guardando para quando o carnaval chegar

Eu vejo as pernas de louça

da moça que passa e não posso pegar

tô me guardando para quando o carnaval chegar

Há quanto tempo desejo seu beijo

molhado de maracujá

tô me guardando para quando o carnaval chegar

E quem me ofende, humilhando, pisando

pensando que eu vou aturar

tô me guardando para quando o carnaval chegar

E quem me vê apanhando da vida

duvida que eu vá revidar

tô me guardando para quando o carnaval chegar

Eu vejo a barra do dia surgindo,

pedindo pra gente cantar

tô me guardando para quando o carnaval chegar

Eu tenho tanta alegria adiada

abafada, quem dera gritar

tô me guardando para quando o carnaval chegar"

...

Esse documentário entrou no circuito exibidor em julho deste ano pela VITRINE FILMES

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