QUANDO TRES ORIENTAIS SE ENCONTRAM
- carmem cortez
- May 19, 2019
- 18 min read
Acima o diretor de "Burning", Lee chang dong, indicado ao Oscar 2019 de filme estrangeiro, pela Coreia do Sul.
Abaixo cena do filme, com os atores, a partir da esquerda: Yoo Ah-in, Jong-seo Jun e Steven Yeu
Personagens de "Burning" (a partir da esquerda): Jong-Su, Hae-mi e Ben
ASAKO I & II -
origem: Japão
Hu Bo diretor de "Um Elefante sentado quieto", originário da China. Após a realização do filme, Hu Bo se matou, aos 28 anos
Um sul coreano, um japones e um chines se esbarraram neste ultimo Festival do Rio 2018. Em comum, a região de onde vem (o continente asiatico), o fato de estarem no mesmo festival Internacional da mesma cidade, Rio de Janeiro. E a linha de condução da história, que leva - mais uma vez o numero tres, os tres personagens principais de cada uma das obras, a entrelaçarem suas vidas num tom de melancolia, descontentamento, desesperança, muito embora o recado no final traga uma mensagem de alento e de esperança.
Escrevo sobre os tres, cada qual visto a seu tempo e respeitando a ordem em que foram assistidos, unindo-os numa mesma resenha pelos aspectos comuns que apresentam, ainda que permaneçam únicos e exclusivos. E as listas de semelhanças citadas acima, se desdobram ao longo de cada observação.
Começando por
ASAKO I & II / 2018 / Japão / Drama / 119' / Ryusuke Hamaguchi
Asako não merece muita dissertação a respeito. D'Ele pode-se dizer que não é ruim apenas pelo bom conjunto da obra. Tem uma proposta romantica sobre a ideologia que se faz dos amores romanticos, aqueles que idealizamos e que no filme fica a duvida se a realidade e fantasia se misturam, são uma coisa so. Ou se alternam. A solidão da personagem principal, Asako, está tão presente quanto em todos os outros personagens dos outros dois filmes que irei discorrer a seguir. Até o seu gato de estimação parece ser uma espécie de alegoria ou metafora para o abandono, a rejeição. Asako parece ser um filme dois em um. Dividido em Asako 1a parte, quando conhece um amor distópico, e Asako 2a parte, quando conhece um amor bem mais integralizador, bem mais crível e palpavel, embora ambos os homens sejam identicos fisicamente.
Asako não é um filme genial, mas ele tem essa pretensao de ser inventivo e original. Asako tem uma carta na manga que é o seu elenco .. Ele vale muito pela colaboração luxuosa de seus atores, e em especial ao ator Masahiro Higashide , que faz os dois amores de Asako sem cair na canastrice.
Asako tem alguns tropeços e isso se faz bem presente quando da cena do restaurante, que a princípio pareceu tão surreal, que achei por um segundo que tudo aquilo só estaria acontecendo na imaginação de ASAKO.
O inicio do filme tambem da pistas de que há uma tendencia à uma estetica duvidosa; chega a ser meio grosseira a cena em que Asako persegue um desconhecido, aquele que se tornará seu amor; - pareceu-me um daqueles filmes japoneses que se faz pra televisão. Até a musica que embala essa 'caça' ao primeiro grande amor (ou aquilo que se acha que deva ser o grande amor) é tosca. É um som estranho e estridente de sintetizador.
Asako não ilimina totalmente a decepção de ser o que se vê. Asako I e II rodou festivais, e poderíamos ter esse roteiro que fala da construção das relações na busca pelo grande amor, a relação de nossas idealizações amorosas, traçada com mais sutilezas, e talvez menos comidicidade.
O filme fez varios circuitos e amealhou para si um curriculo de peso com indicações como: Palma de Ouro de melhor diretor Cannes 2018; juri; roteiro; Asian Film Award de melhor revelação; Grand Prix, Interpretação Masculina.
Asako assim como Burning, nos faz pensar na possibilidade de se as coisas não fogem tanto assim à imaginação, e se a realidade e fantasia se misturam.
Mas Burning, ainda que trate de um assunto completamente adverso, é uma obra mais bem elaborada e refinada.
E é dele que se segue a resenha abaixo:
BEONING (Burning ) - EM CHAMAS / 2018 / Coreia do Sul / Drama - Misterio / 148' / Lee Chang-dong
Um jovem escritor de nome Jong Su (o ator Yoo Ah-in), conhece Hae-mi (Jong-seo Jun) desde a época do colegio. A eles se juntam Ben (Steven Yeun), este ultimo, jovem refinado e culto, a quem Hae-mi conhecem no Quenia, em uma viagem aparentemente despretensiosa de lazer.
Jong Su mora na fronteira da Coreia do Sul com a Coreia do Norte, em um lugar chamado DMZ (Zona Desmilitarizada Coreana), em Paju.
["Até a sequencia de stalker de Jong Su em relação a Ben e o sumiço de Hae-mi, bem como o gato dela que nunca aparece, mas sim na casa de Ben, segue a estrutura do conto de Murakami (autor que escreveu o conto no qual o filme é baseado)"](*).
O caminho dos tres se chocam, se cruzam, despertando toda sorte de referencia á William Faulkner, como as degradações, as relações de poder dos brancos abastados sobre os "poor white" pos -Guerra da Secessão do sul dos E.U.A.. A vida de auto comiseração, e a degradação moral que se abate sobre os personagens descritos nas obras de Faulkner, fartam o filme dessas referencias.
["Numa entrevista publicada no "Estadão", cedida à Luiz Carlos Merten (17/11/18), o diretor Lee Chang -dong, revela que "hoje em dia, as pessoas parecem estar com muita raiva em todo o mundo, independentemente da sua nacionalidade, religião ou classe. A razão pela qual decidi fazer "Em Chamas", foi pela sua historia sobre a raiva da juventude""](**).
["O conto "Barn Burning" (QUEIMAR CELEIROS), é de um dos mais renomados escritores japoneses - Haruki Murakami, e Jungmi Oh, escritora com quem o diretor Lee Chan-dong trabalhou nos últimos 5 anos, foi quem sugeriu sua adaptação para o cinema. É a história de um homem que queima celeiros por hobby. William Faulkner por sua vez tem um conto homonimo, sendo que o "QUEIMAR CELEIROS" de Faulkner, é sobre um agricultor pobre e seu filho pequeno, que colocam fogo no celeiro de outro por raiva. O celeiro de W.F. é objeto de raiva que causa dor da vida; o celeiro de Murakami parece que não é um objeto real, mas um produto da imaginação, ou uma metáfora. De qualquer forma, os dois escritores estão em lados opostos no modo de contar histórias."](***).
Falar do clima 'noir' do filme, onde ate a trilha sonora ganha ares de, alternando entre som original (alguns acordes ao acaso e o jazz de Miles Davis, numa cena deslumbrante da personagem Hae-mi, dançando seminua ao crepusculo), é um plus dentro do filme. Há de certa forma um clima de suspense que ronda toda a obra, e de quebra existe um viés politico dentro da narrativa. Ao longo de quase todo o filme, o personagem Jong-Su que mora na fronteira das coreias, ouve pelos auto-falantes da cidadela onde mora, uma especie de discurso. Ao ser perguntado do que se trata esse 'som', ele diz que vem da coreia do norte. Assim como essa, ha outras pequenas sutilezas de referencia à politica de uma maneira geral. Vale lembrar mais uma: a reunião na casa do abastado Ben, e as conversas sobre as diferenças entre os chineses e os sul-coreanos no que tange ao dinheiro e a forma como respectivamente lidam com o vil metal. E também uma outra que está no início do filme, quando Jong-su com a tv ligada, e dela se ouve um noticiário falando sobre a politica de imigração de Donald Trump e seu discurso sobre construir muros, sua xenofobia explícita.
A partir daí posso tratar esse filme como uma bem alinhavada historia sobre questões politicas também. Não foi à toa que ele está todo recheado de referencias a William Faulkner, que tratou suas obras como objeto de protesto ao que a Guerra da Secessão fez e tornou o sul dos Estados Unidos.
Não sei se é preciso dizer, mas é quase certo que a escolha de Lee Chan-dong pelo william Faulkner como referencia a cada frame (com o perdão aqui do exagero de 'a cada frame'), deva-se ao fato possivelmente dele ter sido ministro da cultura da Coreia durante o período entre os seus filmes "OASIS" e "MIRYANG". Uma ausencia de oito anos sem filmar, e um cargo político devem ter dado o background para produzir Burning e suas costuras às narrativas 'faulknerianas', já que o personagem de Yoo Ah-in (Jong-Su), que é escritor, quando Steven Yeun (Ben) lhe pergunta quem é o romancista que o inspira, aquele responde que é W.F. porque é como se as historias que ele escrevesse, falassem dele proprio. [NOTA]: Faulkner narra a decadencia do sul dos EUA interiorizando-a em seus personagens, a maioria deles vivendo situações desesperadoras.
Os tres personagens alternam entre si tanto os personagens romanceados, os dos seus contos, novelas, como tambem trazem o proprio romancista à cena - nesse caso especificamente ha duas situações no filme que sublinham duas historias contadas em sua biografia: uma delas trata-se de Ben, que todas as vezes em que ele está entre os de sua classe social, se abstem de interação e boceja. E tambem mais uma cena o comportamento de Faulkner é citado: Ben, o rico, pergunta ao aspirante a escritor Jong-Su o que ele faz pra viver recebendo como resposta: _"Eu escrevo romances, e voce?"
Na primeira cena citada, a do bocejo, contam que ele se entendiava ao estar entre os intelectuais e pessoas de nivel social alto e que preferia ficar entre os mais humildes e menos abastados (daí os bocejos do personagem), e na segunda cena citada, a do rico que pergunta ao remediado escritor o que ele faz pra viver e este responde "Eu escrevo e voce", é, tambem segundo sua biografia, uma referencia a uma situação vivida nos bastidores de Hollywood, onde William Faulkner dava expediente como roteirista de Howard Hawks. Na época, Clark Gable era tido como o REI DE HOLLYWOOD, e ele faz a mesma pergunta à Faulkner, que Ben no filme faz a Jong-Su. Ao que Faulkner responde: "EU ESCREVO, E O SENHOR, FAZ O QUE?"
As alternancias vao mais alem: ela envolve os tres personagens, algumas falas, pequenos detalhes de cenas, e assim tambem abre um leque de representações do universo do escritor, e eis aqui algumas ponderações acerca:
a personagem Hae-mi (vivido pela atriz Jong-seo Jun) , é uma persona meio idiotizada ; um dos seus livros mais estudado "O Som E A Furia", traz como um dos personagens um IDIOTA - o mundo sendo mostrado pelos olhos de um idiota.
a região do sul dos Estados Unidos, antes da Guerra, era uma região austera, com rígidos padrões de estrutura social, onde havia supremacia branca. Faulkner não havia nascido ainda, mas mesmo tendo nascido trinta anos depois da Guerra, os padrões de antes e depois da Secessão, são marcantes na vida do autor e assim, as estruturas de classes - os remediados, os de classe dominante vão pontuar os dois personagens masculinos da história.
o sumiço de um personagem tambem é um ponto marcante nas obras de Faulkkner - o que acontece tambem no filme.
Embora o filme se baseie num conto japones, são as amarrações da estrutura dessa história que trazem a percepção das referencias a tudo que diga respeito ao escritor americano.
É um alinhavar de uma historia de tres pessoas que moram na Coreia do SUL, com referencias a historia de um romancista americano que viveu no SUL da America do Norte.
Não faz a menor diferença se voce saca tudo isso, todas essas questões. O filme é envolvente porque ele tem uma atmosfera sutil de tensão, ele tem doses de poesia em cenas ao som de jazz, ele tem atores excepcionais, ele tem planos belíssimos. E os planos são espetaculares. Cito um que é de se prestar atenção, porque dele se encerra uma sequencia. Ele está na sequencia final da filmagem; ou seja, ele conclui um pensamento. Um pensamento visual. Os dois personagens masculinos voltados pro horizonte, separados pela distancia do carro de um deles - um está em pé, o outro está agachado.
Não tem graça contando assim, então veja o filme e me diga depois se concorda comigo nem que seja um tantinho assim, ó, de que é genial.
Não faz diferença alguma se voce conhece o conto do japones Murakami, se voce ja leu William Faulkner ou não ... não faz. Mas a medida em que eu via esse filme eu me sentia completamente absorta nele. São 148'. E pra ter duas horas e meia de filme, ou voce entende do que faz, ou voce é louco. E eu nem senti passar.
Quando escutei a 1a menção á Faulkner, pensei: não deve ser ao acaso. Ao terminar o filme fui pesquisar pra ver se havia qualquer correlação, e PAH. Todas as correlações do mundo. E depois de alinhavar e fazer as correspondencias, fiquei mais envolvida ainda por esse EM CHAMAS.
"Burning" ficou entre os nove finalistas ao OSCAR DE MELHOR FILME ESTRANGEIRO DE 2019 da lista que se segue:
"BURNING" - Coreia do Sul
"ROMA" - Mexico
"CAFARNAUM" - Líbano
"GUERRA FRIA" - Polonia
"AYKA" - Cazaquistão
"NUNCA DEIXE DE LEMBRAR" -Alemanha
"ASSUNTO DE FAMILIA" - Japão
"CULPA" - Dinamarca
"PASSAROS DE VERÃO" - Colombia
Deve ter sido dificil ter de escolher os cinco desses nove para a grande premiação.
Deve ter sido uma difícil escolha ter de manter de fora dos cinco indicados uma perola como "Burning".
Fica até dificil sair desse texto e entrar no terceiro e último oriental.
Até porque este ultimo assim como os anteriores fala da desesperança em que o mundo de uma forma geral vive. E é dolorido ainda mais porque o diretor de "Um Elefante Sentado Quieto", se matou após a realização das filmagens.
Seu primeiro longa.
Vinte e oito anos.
O elefante sentado que se segue...
AN ELEPHANT SITTING STILL - UM ELEFANTE SENTADO QUIETO / 2018 / China / Drama / 234' / Hu Bo
... Começa com uma narração em off sobre um elefante que vive em uma cidade chamada Manzhouli ;
" There´s a mythical elephant who lives in Manzhouli, sitting still, indifferent to the cruelty of the world"
a cada um dos personagens principais, o diretor propos que a abertura do filme começasse com eles acordando a medida que a frase acima em ingles (no audio original de seu país de origem) ia sendo falada
No Fen Shui o elefante é um símbolo extremamente harmonico. É um animal bonito, majestoso, tranquilo e com poder silencioso.
Hu Bo é diretor desse filme chines. Ele dirigiu, escreveu, montou e apos realizar seu primeiro longa, se matou. Um jovem diretor de 28 anos.
Manzhouli é uma cidade ao norte do país, e é um cidade portuária - é o porto mais movimentado. Ferrovias cortam a cidade freneticamente. Assim como em Leviatã (filme russo de 2014, representante de seu pais ao oscar de melhor filme estrangeiro), a locação, a paisagem, o local onde a história será contada tem toda a importancia, aqui em "Um Elefante Sentado Quieto", tambem empresta significado ao comportamento dos personagens, da sentido aos enquadramentos de camera que são por assim dizer consonantes à "paisagem" aos passantes dessa historia.
Manzhouli portanto é frenetica, tem um ritmo intenso, pois o comercio escoa cidade adentro e cidade afora. Mas há um elefante, um ser mistico, que a tudo assiste, quieto, silencioso, alheio a crueldade do mundo. E um elefante, segundo as tradiçoes do Fen shui é um ser harmonico.
No filme ninguem o ve. Mas todos querem e se organizam pra ir até la onde ele está para ve-lo. Em nenhum momento do filme ele aparece. Ele apenas é mencionado.
O filme traz uns enquadramentos e os utiliza na maior parte do tempo o que chamamos de plano medio ou Medium Shot, ou seja, ele ocupa uma parte consideravel do ambiente, mas aimda tem espaço a sua volta. É um plano de movimentação e posicionamento. Embora seja um plano em que preconize a movimentação, ele acaba por ser substituido na maioria das vezes por planos , ou angulos mais fechados ; - a camera fica mais na altura da cabeça dos personagens principais, que é pra dar ao espectador uma sensação de clausura, de prisão. De que os personagens estão soltos , circulando pela cidade, mas presos aos seus afetos, sejam eles a culpa, a autocomiseração, a suas proprias preocupações e tensões internas.
Isso da uma sensação a nos espectadores, de uma especie de clausura particular, onde não ha muito o que se fazer, a não ser viver o dia-a-dia, a rotina, e o destino (leia-se destino como 'fate' - do inglês).
Observando o filme com um pouco mais de rigor, temos mais um apontamento despertado por essa mesma câmera: a de repetição. Repetição não das ações propriamente, mas de um certo 'recomeço-do-mesmo', acentuado principalmente pela trilha, da qual falarei mais a frente.
A ideia que essa posição da camera nos da, é como se não houvesse uma saida, ou a saida fosse a sujeição à uma engrenagem que gira sempre na mesma direção para a manutenção escorreita das coisas, em nome de uma ordem e do bons costumes ... ainda que essa engrenagem da "máquina" administrativa (do Estado), se mantenha em funcionamento, mas sem a lubrificação necessaria para que elas funcionem HARMONICAMENTE (leia-se lubrificação como esperança).
As observações subjetivas delineadas acima, tornam "UM ELEFANTE SENTADO QUIETO" ainda mais claustrofobico, enredado em uma angustia, angustia essa também exposta em diálogos (conversa entre o vice-reitor de uma escola e uma de suas alunas, por exemplo).. E para arrematar esse tom de angustia do filme , o clima frio na época em que as filmagens foram feitas, reforçam essa ideia. E ainda mais: há um sentimento de estar preso em um entorpecer, como se aquele despertar da manha do inicio do filme não acontecesse pra valer.
O tempo durante as filmagens está sempre a nevar, os dias são sempre acinzentados, não ha quase nenhuma coloração nos frames. O uso das cores são quase esmaecidos.
E a trilha sonora em alguns momentos, tambem corrobora para a atmosfera de "Um Elefante Sentado Quieto".
É um filme de confrontos, de acertos de contas, como se não fosse possivel ficar sentado, só assistindo a uma provocação, a uma tragedia....mas ainda assim os personagens, como mencionei antes, encontram-se entorpecidos, como se à uma força maior pertencessem, e a ela não seria possivel ir contra.
Talvez aqui devamos nos apoiar a uma possível referencia ao REGIME COMUNISTA CHINES. Por que a correlação esta bem clara, por sinal
Nesse momento do texto gostaria de transcrever algumas passagens do filme, que são de total importancia para o entendimento desse elefante metaforico que nos alerta da necessidade desses personagens ACORDAREM, despertarem para olhar o futuro e toma-lo em suas mãos.
Ha porem um breve parenteses, nos detalhes em que a obra apresenta. O plano e o contra-plano em algumas cenas - quando o personagem em destaque na cena está em ação e ele está no plano, os demais atores que estão no contra plano, (se houver mais de um), ficam desfocados ; eles parecem propositalmente se manter desfocados, como se o que acontece ao redor do personagem em foco não houvesse muito importancia, ou quase nenhuma importancia. É como se ao protagonista daquele momento tudo o que esta a sua volta não estivesse sob seu real interesse.
Há uma cena a partir da 1h 57min 06 seg aproximadamente, em que a garota de uma escola (secundaria, ao que parece), encontra o vice-reitor da escola onde estuda e o diálogo transcorre mais ou menos assim:
ELA: "O que as pessoas fazem das coisas que lhe acomentem?"
...
o professor/ vice-reitor transcorre a respeito do tema, e num dado momento ele conta um episódio horrendo , de violencia extrema, ao que ela replica:
ELA: " E voce só assistiu parado? "
ELE : " Eu queria para-lo. Era a coisa certa a fazer. Mas se eu o fizesse, eu teria participação naquilo" "E então eu apenas assisti.
Ela pergunta porque ele está contando aquilo pra ela e ele diz:
VICE-REITOR: " Rotinas diárias sempre foram as mesmas em diferentes idades. Não precisa ficar confusa. As pessoas vão superar ao longo do tempo.
ELA: " Eu consigo? "
ELE: " A vida simplesmente não vai melhorar. Tudo é agonia. Essa agonia começou desde que voce nasceu. Acha que um novo lugar irá mudar seu destino? Isso é bobagem, novo lugar, novos sofrimentos (...) Ninguem entende verdadeiramente a existencia ...
[enquanto ele analisa a vida profundamente, a camera fixa nela, num plano fechado, em um angulo contra-plongee, e sua expressão traduz um pequeno incomodo com aquela conversa, como se questões mais praticas fossem mais urgentes que essas tergiversações e filosofia de um futuro que pelo menos pra ela parece remoto. E , então, um tanto quanto entendiada, pergunta por uma situação que está na eminencia de acontecer em sua vida
ELA: " Para onde devo ir se a escola fechar?" >>>
>>>
aqui abro um parenteses para esclarecer uma leitura muito peculiar :
nesse ponto da conversa, vem à tona uma alusão as estruturas antigas.
O arcaico está por ruir, já que se tornando obsoletas e em desuso, não devem mais existir. A DITADURA DA VELHA CHINA parece querer reformular (o 'recomeçar-do-mesmo') .. o que é velho deve ser descartado e 'novas' direções devem ser tomadas.
Há portanto situações das historias dos personagens pra ilustrar tal ponderação acima ... a saber:
o velho (o homem idoso) da história que querem colocar no asilo alegando que ele não serve mais à familia, já que não consegue tomar conta da criança pequena do casal com quem convive, alias, uma das tarefas à ele delegada;
a educação ultrapassada que não ensina aos seus jovens os deveres de civilidade e tampouco de cultura (segundo as regras que estão por ora em vigor, em jogo)....
>>>
voltando `a cena:
ELE (retruca à pergunta da jovem estudante), o VICE-REITOR
E com ar desolador e apos uma breve pausa, responde: " Encontrar outra "(escola)
Esse e mais dois ou tres dialogos são de suma importancia para o entendimento de todo o filme de Hu Bo. Portanto, mais um pouco de paciencia, por que ainda tenho sinalizações importantes a destacar
Conforme citado anteriormente, a musica tem sua participação destacada e determinante tambem. Por vezes, o som original vira uma dessas musicas eletronicas e repetitivas que não desenvolvem nenhum, ou quase nenhum acorde - é um 'bate-estaca' necessario para reforçar dois aspectos: o 'recomeço-do-mesmo' (7o parágrafo), e a sensação de torpor que deriva do caos internalizado, resultando em angustia em que os personagens atravessam SILENCIOSOS e QUIETOS à narrativa, como o elefante do título de Hu Bo.
O elefante ainda esta sentado e quieto assistindo a toda a crueldade do mundo ao redor, e quando escutamos seu grito, esse rompante metaforiza (aí a metáfora muda de lugar - não é mais o elefante a metáfora, e sim as reações dos personagens; eles assumem o lugar desse elefante mistico), dos rompantes de ódio, quando a menina acerta um casal com um taco; quando o garoto que amedronta o colega de colegio, e cai da escada empurrado pelo o que o defende desse bullying, e acaba morrendo ao cair; quando o suicida pula da janela ao flagrar a traição da mulher com o seu melhor amigo...

" You can go wherever you want "
Na Estação Rodoviária, onde os tres personagens principais se encontram para ver o Grande Elefante Mistico, (o garoto acusado de matar um colega de escola que ameaçava seu amigo, à esquerda da foto acima; a garota, centro da foto acima, que convive com uma mãe que ao que tudo indica se entrega a pequenos favores sexuais para sobreviver a uma vida miseravel, e a propósito parece repetir 'inconscientemente' sua história, uma vez que tem um caso com o vice-reitor de sua escola; e o velho, à direita, que a família não o quer mais por perto, decidindo manda-lo à um asilo, ja que ele não serve para muita coisa), é que reside uma das cenas cruciais para a contemplação da beleza que é a narrativa desse filme, tanto no que diz respeito aos planos, a fotografia, a opção da camera registrando as atuações bem proxima aos atores, as breves pausas durante / entre os diálogos, onde se faz sentir a especulação da dor, e da desesperança que sobrevem ao pensamento de cada um deles.
E é nessa cena que o ancião torna:
VELHO: " Voce pode ir aonde quiser (foto). Sim, voce pode. No entanto, não encontrara nada diferente. Aprendi isso quando perdi a maior parte da minha vida. Então, preciso parece-la aceitavel. Deve haver uma diferença (...) " A melhor saida é estar bem aqui e olhar para o outro lado. Acreditar que deve haver algo melhor. Mas não pode ir. Ao não ir, voce aprende a viver com isso aqui. " >>>
>>> ao assistir essa cena, reparem que enquanto ele fala, a camera se concentra nele e só ele se mantem dentro do quadro.
A camera, ao termino da fala do personagem do velho, agora enquadra os dois jovens, o velho sai de quadro, e o rapaz como quem toma uma decisão rapida, a qual não pode deixar escapar, segue o velho, o pega pelo braço e diz: " VAMOS LA OLHAR"
Faltando menos de dez minutos para o final, estão todos a caminho do Grande Circo, onde o elefante esta la. E o onibus ao fazer uma parada para que as pessoas possam descer e depois prosseguir viagem, a medida que elas descem e se agrupam, pela primeira vez, a camera abre, toma um plano aberto, mostrando finalmente pessoas reunidas. E ouve-se o som emitido pelo elefante. Nesse momento todos param, olham para o lugar onde possivelmente vêm o 'barulho', o 'grito', o 'urro' do elefante.
E esse elefante NUNCA aparece de fato.
O filme encerra assim uma mensagem de esperança talvez...algo que nos diga que pela integração se construa um futuro promissor. E que apesar de toda melancolia, desesperança que o filme vem rumando, o som advindo do elefante é um pedido de socorro, é como um grito no escuro...talvez um pedido de atenção que ao invés do 'recomeço-do-mesmo', deva-se permitir um 'acordar', um 'despertar' para novos olhares.
Os tres filmes tem um tom de tristeza, mas aos tres vislumbramos um sentimento de esperança ao final de cada obra:
"Burning" quer romper com alguma coisa que sufoca e isso é possível seja la pelos meios que se escolhe. É assim tanto que apos o 'plot twist' da cena final, o escritor consegue engatar seu romance /
"Um elefante sentado quieto", se utiliza da cena final de TODOS reunidos para reencontrar a harmonia (seja la essa qual for - um elefante tem por natureza representativa na cultura oriental a harmonia), mesmo que as 'explosões', os rompantes (seja ele o grito, a agressão verbal, física...) se somem à busca daquilo que possa dar sentido à vida /
e "Asako I & II" nos ensina que não se fala de AMOR, se temerários ficamos às nossas loucuras, fantasias e amores idealizados.
Antes eram os franceses os donos da área. Os anos passaram e os iranianos se afirmaram como o cinema cultuado do mercado cinematografico. Mas eis que entra em cena sob os holofotes de uma nova tendencia o cinema asiatico.
China, Coreia do Sul e Japão tem trazido, os tres juntos, produções com potencial para se tornarem mais conhecidos do grande publico. Haja vista a quantidade de títulos nos festivais nos ultimos 5, 10 anos.
Não que não houvessem obras de grande monta - Won Kar Way, Chan Wook Park, Hong Sang soo, Kim Ki-duk (Coreia do Sul), Jia Zhang Ke, Zhang Yimou (China), Hirokazu Koreeda, Naomi Kawase, Ozu, Kurosawa, Takashi Miike (Japão) - só pra citar alguns dos diretores que fazem a alegria dos cinefilos. Mas, com as tres produções acima, percebe-se que estão chegando com força.
E pra quem duvida, a PALMA DE OURO do Festival de CANNES 2019 foi para o SUL COREANO Bong Joon -ho e seu "Parasite".
Isso não determina que o filme é bom, mas traz uma chancela e tanto.
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E já que encerrei meu recado citando CANNES, e aproveitando que este site é uma homenagem (também) ao CINEMA, deixo registrado aqui os meus votos de VIDA LONGA AO CINEMA BRASILEIRO, saudando
KARIM AÏnouz e seu " A Vida invisivel de Euridice Gusmão" (ganhador da mostra UN CERTAIN REGARD - CANNES 2019)
E KLEBER Mendonça Filho e seu " Bacurau " (ganhador do grande PREMIO do JURI de CANNES 2019).
[Fontes](*) (**) (***) : WEB (site)..., wikipedia, jornal "O Estado de São Paulo"
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