AQUARIUS / 2016 / BRASIL DRAMA Kleber Mendonça Filho
- carmem cortez
- Sep 23, 2016
- 6 min read

Muito ja se falou em critica sobre o ultimo filme de KLEBER MENDONÇA, sobre como ele transmite uma ideia de resistencia atraves de sua personagem CLARA (Sonia Braga), contra as pressões da grande especulação imobiliária, de sua propria familia, pra que deixe a teimosia do velho apartamento num edificio abandonado, onde todos os moradores ja se foram, venderam suas unidades habitacionais, resistencia essa que denota preservação dos afetos, do lugar onde uma vida rica e cheia de emoçoes transcorreu.
Sim, é verdade. Concordo com esses apontamentos, não há duvida alguma de que é disso que se trata o filme.
Há inclusive espaço pra mais dissertações, - para alguns, a ficção serve como metáfora à chamada resistencia ao Golpe de Estado que se acometeu a este país, faz pouco tempo.
Não discordo totalmente. Pode haver aí, uma leitura metaforica para a situação que denominaram GOLPE - não vou entrar em questões políticas de foro intimo, e sem fechar a questão das diversas e possíveis interpretaçoes que o filme de KLEBER MENDONÇA FILHO possa suscitar, acho que essas e outras, quantas mais vierem, podem ser cabíveis.
Acredito muito em que cinema não há certo, nem errado!
Mas, veja bem, só não se pode uma coisa: dizer que o filme não transmitiu nada em absoluto. Ah, isso é que não!
Desde que acompanho a carreira dele, nada é vazio. Não existe gratuidade em KLEBER.
Alem das tais críticas sobre especulação imobiliária, e pressão familiar, enfim, as que citei ainda há alguns parágrafos, tambem ouvi que o filme desanda bastante, faz histórias paralelas e não costura com a história da personagem principal, a CLARA de Sonia Braga.
Meu ponto de partida hoje vem na contramão da maioria - dos que estão dando conta do que é AQUARIUS em uníssono, e dos que se perderam na obra do Kleber, tentando enxergar uma história com uma estrutura de roteiro de inicio, desenvolvimento, o momento da reviravolta da trama, e o desfecho....ou seja, o tao usual : A JORNADA DO HERÒI.
Ao inves de acentuar e fazer coro com a grande maioria, vou destoar um pouco e fazer uma especie de parenteses pra aquilo que acho fundamental nos seus trabalhos, e acaba criando um ponto de interseção, dando aos filmes de KLEBER, o que chamamos de FILME DE AUTOR. Muito embora isso não exclua minha passagem pela história de Clara e minhas considerações acerca do enredo.
Pois bem.
Clara vive em uma apartamento cercado de recordações de histórias e pessoas incríveis, e quer manter perto de si tudo isso que foi construido ao longo dos anos, seja pelas dores e alegrias. São suas reliquias. Ela tem orgulho de seu passado, de sua história. Tem orgulho da tia que foi militante, que ingressou na faculdade sendo uma das poucas, se não a única mulher a entrar praquele curso universitario...sua tia, seus entes tem historias que se costuram e se emulduram ao dela, e a isso Clara sente-se como privilegiada de pertencer aquele lugar, aquela familia.
É esse sentimento de pertencimento, inclusive, que faz Clara querer manter-se no espaço onde vive.
Há muita pressão, mas ela não se dá por vencida. Porque Clara é uma pessoa bom astral, de bem com a vida, guerreira. Ela resiste não só as pressões externas de estranhos (imobiliária que quer vender o predio onde criou seus filhos, para dar lugar a um magnífico empreendimento imobiliário de luxo), ela resiste aos filhos que são tementes e preocupados de deixar a mãe num local vulnerável por estar abandonado, ela é firme, resistente, resiste até a uma doença fatal.
Tudo isso poderia resultar numa história como outra qualquer, como tantas que já vimos por aí, em livros, telas, mas o que quero ressaltar, é o trabalho de KLEBER, e seu oficio de delinear Claras, e personagens como a de Magdala Alves, no curta Eletrodomesticas (agosto de 2005), e tantas outras personagens dentro de sua filmografia, de uma forma mais bem peculiar que nos aproxima de nossos cotidianos, quebrando os cliches, onde o que parece que vai se suceder na narrativa, não acontece.
E é desse ponto de observação que sublinho AQUARIUS.
Não obstante, ele usa o mesmo artíficio, a quebra do obvio para depois seguir em frente, sem precisar dar uma continuidade, - que ressalta aos olhos mais perspicazes, de quem assistiu por exemplo, O SOM AO REDOR ( 2012).
Nao obstante tambem, encontramos essa 'quebra do obvio' em outras obras: VINIL VERDE (2004, genero suspense, curta metragem), A MENINA DO ALGODÂO (2003, curta mentragem), RECIFE FRIO (genero mocumentary, curta metragem de 2009), etc, interligados pela linha da 'quebra do não-sucedido'.
Em o SOM AO REDOR, como em quase tudo que foi feito até aqui, há também um clima de tensão no ar, seja nos diálogos onde ha confronto, seja na imaginação da personagem, seja naquela cena em que Kleber quer fazer o espectador acreditar que a situação-limite vai acabar descambando para o inevitável, e obvio. E ele faz isso as vezes em qualquer momento, dando aos menos atentos a sensação de gratuidade.
No seu primeiro, ou segunda longa (se tomarmos o filme CRITICO, como seu primeiro longa-metragem), O SOM AO REDOR (drama, 2012), traz momentos de tensão desde quando na cena mais cotidiana, em que Bia, personagem de MAEVE JINKINGS serve um copo d'agua a um passante, do lado de dentro do portao de sua casa, até quando do sonho ou pesadelo da garota, que sonha seu quarto invadido por pivetes pela janela de seu quarto.
Poderia ficar horas pontuando e ilustrando suas 'intervenções' cheias de genealidade em dar ao espectador o que ele acha que vai encontrar, pra no segundo seguinte se desconstruir, mas quero tirar agora alguns exemplos do filme em questão, e que está atualmente no circuito exibidor.
AQUARIUS (longametragem de ficção, 2016), logo nos primeiros minutos do filme, mostra uma turma na praia, alegre, sob o comando de um, ao que parece, 'terapeuta alternativo' conduzindo uma atividade, a princípio ludica, e adiante, vem se juntar à turma que está ali deitada sob a areia da praia de Boa Viagem (praia oceanica da região da cidade de Recife), uma trupe de meninos. Meninos negros, como muitos desses que pelo nosso olhar preconceituoso, nos assustamos pelo perigo iminente de assalto ou qualquer coisa que o valha. A camera vem com um plano de cima, mostrando que é uma turba. Mostrando algazarra, risos, o descompromisso de moleques à toa, o jeito inquietante / rapido de andar, aquele jeito malemolente de andar que os 'malandros' o bem fazem, e aí.... bem, eles se aproximam, se juntam aos demais que ali já estavam, tomam parte da brincadeira, e a camera corta pra outra cena.
Há ainda a cena em que Clara (Sonia Braga), pede ao personagem de Irhandir Santos, que é salva-vidas daquele trecho da praia, onde ela costuma se banhar, para dar um mergulho no mar,e ele gentilmente cede ao pedido, já que ela é uma celebridade (Clara é autora de um livro de sucesso, jornalista), embora haja a inscrição de perigo, com um cartaz que sinaliza a presença dos tubarões. Este momento em que ela entra, a lancha salva-vidas vem para dar suporte, e o momento em que ela está saindo da agua, são geradores de tensão total!!
Também poderia ficar mais dois ou tres parágrafos citando essa desconstrução que KLEBER faz, do obvio acontecerá, para não acontecer absolutamente nada. O poder com que ele sabe fazer isso é que é o seu segredo. Porque cria espaços de suspense e ajudam a dar aquele toque especial na história.
Tanto em 'O Som...', quanto em "Aquarius', o trabalho de Kleber transborda suas histórias. Faz o espectador se prender ainda mais na narrativa por que tem esses elementos do suspense, da narrativa que finge que vai, mas continua sem qualquer assombro, e pela naturalidade de seus diálogos, que fariam qualquer um de nos assistir por horas uma conversa entre mãe e filha, por exemplo, como na cena entre Maeve Jenkings (brilhante no papel de Ana Paula, a filha), e sua mãe, Clara.
Esse jogo em que nos faz sentir mais proximo e mais nitido de seus personagens, torna a experiencia de ver um KLeber Mendonça, em uma rica experiencia: a de fazer cinema.
E para finalizar, quero dedicar o ultimo paragrafo dessa resenha a uma frase que me soou completamente enigmatica, dita pela protagonista, e me fez vibrar por todo o trabalho que este Aquarius trouxe para as telas; seus diálogos, sua direção de atores, sua interveções do aconteceria, mas quebramos o paradigma do cliche.
A Clara de nossa história não vai se deixar levar pelo ultra moderno das construções magnanimas que as especulações imobiliárias não se cansam de nos assediar ... ao contratio, porque, Clara, ciente que é dona de si e do seu tempo, aquele que ela vem construindo cuidadosamente como uma abelha, permitiu a si enredar suas paredes, estofados, moveis num laço de amor, onde talvez nem os cupins possam destruir.
E Clara profere: '_prefiro dar um CANCER, a ter um", porque jogou pra tras toda viscocidade e sebo que poderiam prende-la, fazer escorregar pelo desanimo, sucumbindo à todos que tentam minar sua alma de guerreira, esmorecendo, deixando que se esvaia pelo ralo suas preciosas reliquias - memorias afetivas.
É um filme leve, e lindo. è um pouco difícil - eu acho que os filmes dele nunca são tão faceis de degustar assim, como alguns pretensiosamente deixam transpareccer, mas é antes de tudo uma história.
Histórias podem ser contadas do jeito que seus autores acham que melhor lhes aprouvenha contar. Porque direito de contar qualquer coisa da maneira como voce entender que deva contar, voce tem. Assim como tambem voce tem o direito de achar que a historia ouvida não faz sentido, e todas as subtramas não combinam com o resto da história principal, também.
Mas faça a voce mesmo um favor: se de a essa opotunidade. A de construir ou desconstruir.
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